quinta-feira, 9 de abril de 2020

O Poeta Engenheiro - João Cabral de Melo Neto


Você certamente conhece o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto! Talvez já tenha lido alguma de suas obras, mas você sabia por exemplo que ele era um forte candidato ao prêmio Nobel de Literatura?


Para o Escritor Mia Couto, João Cabral de Melo Neto foi o maior poeta da Língua Portuguesa, a frente inclusive de Camões, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade, que nós veremos em outros momentos!

João Cabral nasceu em Recife em 1920, durante a República Velha (café com leite)! Viveu parte da sua vida nos engenhos de sua família na chamada Zona da Mata de Pernambuco! Era primo do também poeta Manuel Bandeira e do respeitado sociólogo Gilberto Freyre. Mudou-se para o Rio de Janeiro (estátua) na fase adulta e aos 25 anos iniciou a sua carreira de diplomata. Nessa época, João Cabral já tinha escrito duas de suas obras: “Pedra do Sono”, de 1942 e “Os três mal-amados”, de 1943.

No mesmo ano em que ingressou no Itamaraty, João Cabral publicou uma de suas mais famosas obras: O Engenheiro, que seria uma das grandes responsáveis pelo epíteto com o qual ficaria conhecido. “O Poeta Engenheiro” ou “O Arquiteto das Palavras”.


O Engenheiro

A luz, o sol, o ar livre
envolvem o sonho do engenheiro.
O engenheiro sonha coisas claras:
superfícies, tênis, um copo de água.

O lápis, o esquadro, o papel;
o desenho, o projeto, o número:
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre.

(Em certas tardes nós subíamos
ao edifício. A cidade diária,
como um jornal que todos liam,
ganhava um pulmão de cimento e vidro).

A água, o vento, a claridade
de um lado o rio, no alto as nuvens,
situavam na natureza o edifício
crescendo de suas forças simples.

João Cabral foi acusado de praticar o Comunismo durante o governo de Getúlio Vargas, numa época em que o Partido Comunista era proibido no Brasil. Recorreu ao Supremo Tribunal Federal e pôde retomar suas atividades enquanto diplomada, percorrendo países como o Senegal, Portugal e Espanha. Em relação a esse último, O Poeta Engenheiro tinha um carinho bastante especial. Sobretudo para com a cidade de Sevilha!

“Há que Sevilhizar a vida! Há que Sevilhizar o mundo!”


Nesse período, sua atividade literária não diminuiu e publicou diversas obras:

Cão sem Plumas, em 1950
Uma Faca só lâmina, do mesmo ano

E sua principal obra, Morte e Vida Severina, em 1955, que narra a empreitada de um retirante nordestino saindo do interior em direção a Recife e que passaria para a história como a sua obra prima.


O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI


— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.

João Cabral fez parte da Academia Pernambucana de Letras, mas nunca compareceu às reuniões, sequer na sua posse! Foi empossado na cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras em maio de 1969 e em 1990 recebeu nada menos que o prêmio Camões, a principal premiação da língua portuguesa!
Em 1999, quando faleceu, João Cabral era considerado um fortíssimo candidato a receber o primeiro prêmio Nobel da história do Brasil.


Nenhum comentário:

Postar um comentário